O desastre de Brumadinho completou 50 dias esta semana e uma das principais discussões em voga diz respeito às indenizações que deverão ser pagas às famílias das vítimas ou às próprias vítimas, caso tenham sobrevivido.
Nessa esteira, a 5ª Vara do Trabalho de Betim/MG determinou o bloqueio de R$ 1,6 bilhões para assegurar pagamentos e indenizações trabalhistas.
No entanto, até o momento, não se chegou a nenhum acordo sobre valores.
Sob o enfoque trabalhista, entendemos que existem diversos danos passíveis de indenização, levando-se em conta exclusivamente os empregados da Vale.
De um lado, temos os danos patrimoniais, caracterizados por algum tipo de prejuízo financeiro às vítimas e/ou suas famílias.
Dentre os danos patrimoniais, podemos citar: (i) lucros cessantes e (ii) danos emergentes.
De outro lado, temos os danos extrapatrimoniais, ou seja, aqueles que são monetariamente imensuráveis e afetam os princípios correlatos à dignidade da pessoa humana.
Nesse ponto, é importante destacar que a CLT, após a Reforma Trabalhista que entrou em vigor em Novembro/2017, trouxe um Capítulo inteiramente novo para tratar exclusivamente dessa modalidade de dano.
Note-se, ainda, que a lei adota a denominação “dano extrapatrimonial” e não “dano moral”. A utilização dessa expressão não é despropositada. Pretendeu o legislador ampliar a abrangência da lei para todo e qualquer dano que não seja patrimonial. Em resumo, não se tratando de dano emergente ou de lucro cessante (modalidades de dano patrimonial, conforme visto acima), incidirá a aplicação do novo artigo 223-E, da CLT, para todo e qualquer subtipo de dano extrapatrimonial identificado.
Dessa forma, podemos afirmar que o dano extrapatrimonial se divide nos seguintes subtipos: (a) dano moral; (b) dano estético; (c) dano existencial; e (d) dano social.
Outra modalidade de dano, advinda de construção doutrinária e jurisprudencial e embasada no direito comparado (uma vez que a origem dessa teoria ocorreu na França) é a perda de uma chance¹, que se trata da frustração de uma oportunidade de ganho patrimonial ou da redução de uma vantagem, por ato ilícito de terceiro.
Essa teoria constitui situação em que a prática de um ato ilícito ou o abuso de um direito impossibilita a obtenção de algo que era esperado pela vítima, seja um resultado positivo ou a não ocorrência de um prejuízo, gerando um dano a ser reparado.
Assim, quando provocado um ato ilícito, é notável que esse ato interrompe inesperadamente o modus vivendi da vítima, lhe frustra uma oportunidade de obter um benefício, sendo que, nesse caso, a indenização devida se dá pela chance perdida e não pela vantagem final esperada.
Concluindo, é fato que a reforma trabalhista trouxe parâmetros para o cálculo da indenização decorrente de danos na esfera extrapatrimonial, o que inexistia anteriormente (o arbitramento ficava a cargo do juiz). No entanto, não é correto afirmar que cada vítima e/ou família receberá apenas 50 salários a título de indenização, uma vez que, para cada subtipo de dano extrapatrimonial devidamente comprovado, deverá incidir um valor de indenização correspondente.
Outro ponto de atenção com relação a essa questão diz respeito à controvérsia que paira sobre a modalidade de extinção dos contratos de trabalho dos empregados falecidos.
Em tese, em caso de falecimento do empregado, o contrato de trabalho automaticamente se extingue, com o consequente pagamento das verbas rescisórias equivalentes ao pedido de demissão (saldo de salário, 13º salário, férias proporcionais + 1/3, salário família, férias vencidas + 1/3 para empregados com mais de um ano de contrato).
Além das verbas acima listadas, a família fica autorizada a sacar o saldo da conta vinculada do FGTS.
No entanto, entendemos que, para o caso em análise, seria possível sustentar a existência de uma “justa causa” do empregador, que deu causa à morte do empregado, devendo a rescisão assumir os contornos de uma rescisão indireta, em que seriam devido, além das verbas acima elencadas, o pagamento do aviso prévio e da multa do FGTS.
Por fim, é preciso, ainda, analisar como ficará a situação dos empregados sobreviventes, uma vez que o local de trabalho foi completamente destruído e não há qualquer previsão de reconstrução em um futuro próximo.
Nesses casos, vislumbramos dois cenários: (1) a rescisão dos contratos de trabalho que, ao nosso ver, devem ocorrer por rescisão indireta por justa causa do empregador; ou (2) a transferência dos empregados para outros estabelecimentos da empresa, que poderá ocorrer sem a anuência do empregado, por se tratar de uma das hipóteses de exceção (extinção do estabelecimento em que trabalhava o empregado).
Além disso, entendemos ser possível a alegação da Teoria do Fato do Príncipe (factum prinicipis) para sustentar que a empregadora, através de sua conduta culposa, provocou um desequilíbrio na relação contratual, impedindo a satisfação das obrigações por parte dos empregados, devendo ser responsável pelo pagamento dos salários, para os empregados sobreviventes, até que um dos cenários acima seja implementado.
Sob a ótica trabalhista, entendemos que essas são as questões mais relevantes advindas do desastre ocorrido em Brumadinho. Como visto acima, são questões polêmicas e ainda não pacificadas pelo nosso ordenamento jurídico e que, em breve, terão diversos novos desdobramentos.
¹ Importante ressaltar que a jurisprudência ainda não firmou um entendimento acerca da classificação da indenização pela perda de uma chance, as concedendo ora a título de dano extrapatrimonial, ora a título de dano patrimonial, razão pela qual optamos por destaca-la de forma independente.