Encontra-se em andamento processo de audiência pública que tem por objetivo discutir alterações à regulamentação a que estão sujeitos os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC (os “FIDC”), os Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FICFIDC (os “FIC-FIDC”) e os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados (os “FIDC-NP”), essencialmente no que se refere a atribuições dos prestadores de serviços a tais fundos.
As alterações propostas por meio do Edital de Audiência Pública SDM n.º 05/12 (o “Edital”), referem-se preponderantemente à Instrução CVM n.º 356, de 17 de dezembro de 2001 (a “Instrução CVM nº 356”), havendo também propostas de alteração à Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, (a “Instrução CVM nº 400”), no que se refere ao Anexo III-A.
A Audiência Pública se encerrará 10 de setembro de 2012, sendo possível aos interessados enviar sugestões e comentários às propostas de alteração constantes do Edital até tal data. Importante notar que as sugestões e comentários recebidos pela CVM serão considerados públicos e por ela disponibilizados na íntegra pela CVM em seu site na internet após o término do prazo acima mencionado.
As alterações que venham a ser adotadas pela CVM na reforma das normas em questão serão aplicáveis a todos FIDC, FIC-FIDC e FIDC-NP (os “Fundos”). Os Fundos que já contem com registro perante a CVM terão 120 dias contados da publicação da norma que veicular as alterações para se adaptar às alterações, observado que, na hipótese de o Fundo realizar oferta pública de cotas, registrada ou dispensada de registro, o mesmo estará obrigado a atender imediatamente às alterações. Os Fundos que obtiverem seu registro de funcionamento após a publicação da norma, estarão obrigados a atendê-la de imediato.
Em linhas gerais, e conforme manifestado pela CVM no Edital, as alterações propostas têm por objetivo principal o aperfeiçoamento dos controles a que estão sujeitos os prestadores de serviço aos Fundos e a mitigação de estruturas que propiciem a ocorrência de conflito de interesses ou comprometam governança dos Fundos.
Apresenta-se a seguir, breve descrição das principais alterações propostas que, caso adotadas na reforma das normas em questão, poderão demandar alterações estruturais significativas e operacionais para a indústria de FIDC:
1. Exigência de que o custodiante não integre os grupos econômicos do Administrador e/ou do Consultor. A proposta contida no Edital estabelece a proibição de que o Administrador preste diretamente os serviços de custódia, devendo contratar para prestar tais serviços uma instituição financeira que não integre seu grupo econômico ou o grupo econômico da Gestora do Fundo. A CVM manifestou expressamente no Edital que tem a intenção adotar a vedação em questão desde a edição da Instrução CVM nº 442, de 8 de dezembro de 2006. Considerando-se atualmente é comum que as funções de Administrador e Custodiante sejam cumuladas por uma mesma instituição financeira ou realizadas por instituições pertencentes ao mesmo grupo econômico a adoção de tal dispositivo implicaria na necessidade de alteração dos Custodiantes de um grande número de Fundos.
2. Definição da abrangência do conceito de critérios de elegibilidade. O Edital contempla proposta de inclusão de dispositivo definindo de modo objetivo quais características dos direitos creditórios deverão ser consideradas como critérios de elegibilidade. Segundo tal dispositivo, “os atributos dos direitos creditórios que possam ser validados a partir de informações detidas ou disponíveis ao Custodiante devem ser enquadrados como critérios de elegibilidade”. Com isso, diversas das características dos direitos creditórios que comumente constam dos regulamentos dos Fundos como condições de cessão deverão ser obrigatoriamente transformadas em critérios de elegibilidade. O resultado prático de tal alteração será a substituição do responsável pela verificação de tais características, hoje realizada pela consultora especializada ou pela Gestora, passando as mesmas a serem verificadas pelo Custodiante do Fundo.
3. Obrigação do Administrador de monitorar a checagem do atendimento das condições de cessão pelo responsável definido no regulamento do Fundo e outras alterações relativas às condições de cessão. O Edital contempla a inclusão de obrigação de, na hipótese de o Fundo adotar condições de cessão para a definição dos direitos de crédito a serem por ele adquiridos, referidas condições de cessão serem incluídas na política de investimento constante do regulamento do Fundo, devendo ser também incluída no regulamento do Fundo a identificação da instituição responsável pela verificação das mesmas. De acordo com o proposto no Edital, as condições de cessão deverão ser verificadas no ato da cessão. Referidas obrigações já são hoje atendidas por grande parte dos Fundos existentes. A inovação relevante proposta pelo Edital e que demandaria é a obrigação de o Administrador passar a monitorar o cumprimento da obrigação de verificação das condições de cessão pelo responsável estabelecido no regulamento do Fundo, devendo para tanto, adotar, por escrito, regras e procedimentos passíveis de verificação.
4. Verificação dos documentos comprobatórios dos direitos de crédito pelos Custodiantes no ato da cessão de crédito aos Fundos e redução da periodicidade de verificação. A proposta de alteração da regra de verificação dos documentos comprobatórios dos direitos de crédito (os “Documentos Comprobatórios”) prevê: (i) a obrigatoriedade de verificação dos Documentos Comprobatórios dos direitos de crédito pelo Custodiante, no ato da cessão; e (ii) a redução da periodicidade da auditoria dos Documentos Comprobatórios, determinando que esta passe a ser feita em período inferior ao prazo médio da carteira do FIDC ou trimestralmente, dos dois prazos o menor. Tanto a verificação realizada no momento da aquisição dos direitos de crédito quanto à verificação periódica poderá ser terceirizada pelo Custodiante, sendo vedada expressamente a terceirização de tal serviço para a Cedente, a Originadora dos Créditos, a Consultora Especializada, a Gestora ou partes a elas relacionadas. Similarmente ao permitido atualmente, ambas as verificações poderão ser realizadas por amostragem nos Fundos em que haja significativa quantidade de créditos cedidos e expressiva diversificação de devedores. A maior complexidade decorrente da necessidade de verificação dos Documentos Comprobatórios no ato da cessão tende a ser mitigada, ao menos em parte, pela possibilidade de realização da mesma com base em informações digitais e de documentos digitalizados, propiciada pela alteração descrita no item 9 a seguir.
5. Alterações quanto a guarda de Documentos Comprobatórios. De acordo com a proposta contida no Edital, será permitido ao Custodiante continuar a terceirizar a guarda dos Documentos Comprobatórios, passando a ser vedada a guarda dos referidos documentos pela Cedente, pela Originadora dos direitos de Crédito, pela Consultora Especializada, pela Gestora ou por partes a elas relacionadas. A terceirização dos serviços de guarda dos Documentos Comprobatórios está condicionada à adoção, pelo Custodiante, por escrito, de regras e procedimentos passíveis de verificação que permitam ao Custodiante o efetivo controle sobre a movimentação dos Documentos Comprobatórios sob guarda do prestador de serviço contratado, bem com o cumprimento das obrigações normativas pelo mesmo. Referida metodologia deve constar dos prospectos dos Fundos que a adotem, do contrato de prestação de serviços de guarda dos Documentos Comprobatórios e ser disponibilizada no site do Administrador dos Fundos que a adotem.
6. Dever de diligência do Administrador no monitoramento das atividades da gestora, consultora especializada, custodiante e agente de cobrança. Adicionalmente ao monitoramento do cumprimento da verificação das condições de cessão mencionado no item 3 deste documento, o Edital contempla proposta de inclusão de dispositivo estabelecendo a obrigação do Administrador de monitorar o cumprimento das obrigações contratadas com o Fundo, pela Gestora, Custodiante, Consultora Especializada e agente de cobrança. Para tanto o Administrador deverá adotar regras e procedimentos adequados, por escrito e passíveis de verificação, as quais deverão constar dos contratos de prestação de serviço celebrados com cada um dos agentes em questão, do prospecto do Fundo e do site do Administrador na internet.
7. Delimitação das formas de recebimento de valores pelos Fundos. Consta do Edital proposta de inclusão de dispositivo determinando que os valores relativos ao pagamento de direitos de crédito ou da liquidação de outros ativos financeiros de propriedade do Fundo sejam depositados diretamente: (i) em conta corrente de titularidade do Fundo; ou (ii) em uma conta vinculada (escrow account), assim entendida a conta corrente bancária instituída pela Cedente e pelo Fundo junto a uma instituição financeira, a qual é responsável pela guarda e movimentação dos recursos nos termos de contrato específico celebrado para tal fim (a “Conta Vinculada”). A estrutura de Conta Vinculada já é atualmente adotada por diversos Fundos como forma de mitigação do risco de fungibilidade dos pagamentos devidos aos Fundos nos casos em que não é possível que o pagamento seja realizado diretamente na conta corrente do Fundo. Não está claro na norma de quem deverá ser a titularidade da Conta Vinculada, isto é, se a Conta Vinculada poderá ser de titularidade da Cedente, tal qual utilizado atualmente pelos Fundos, ou se a mesma deverá ser de titularidade da instituição financeira em questão, sendo provável que tal tema seja objeto de comentário e sugestão durante a Audiência Pública. O dispositivo acima descrito abrange tanto o pagamentos de direitos creditórios vincendos, quanto de direitos creditórios vincendos.
8. Restrição das funções que podem ser desempenhadas pela consultora especializada. De acordo com a proposta contida no Edital, as funções passíveis de exercício pela Consultora Especializadas passarão a ser restritas à verificação das condições de cessão, à cobrança dos direitos de crédito inadimplidos e à realização de atividades auxiliares e de suporte para o Administrador e/ou gestora na análise e seleção dos direitos de crédito.
9. Inclusão de informações digitais ou digitalizadas no conceito de Documentos Comprobatórios. O Edital contempla proposta de inclusão de dispositivo que estabelece condições para que informações digitais ou digitalizadas possam ser consideradas como Documentos Comprobatórios, para efeitos do atendimento das obrigações de guarda e auditoria dos referidos documentos. De acordo com a proposta, para que uma informação digitalizada seja considerada válida, sua digitalização deverá ser realizada com o uso de certificado digital, emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil, nos termos da Lei nº 12.682, de 9 de julho de 2012. Quanto às informações digitais, serão consideradas válidas aquelas emitidas por computador, desde que conste das mesmas assinatura do emitente que utilize certificado admitido com válido pelas partes envolvidas. A inclusão do dispositivo tende a simplificar o atendimento das alterações relativas à verificação dos critérios de elegibilidade, à verificação dos Documentos Comprobatórios e à guarda de Documentos Comprobatórios, descritas neste documento.
Adicionalmente às alterações descritas acima, o Edital traz ainda as seguintes proposta de alteração entre outros itens de menor relevância do ponto de vista estrutural e operacional:
(i) vedação de cessão de direitos de crédito pelo Administrador, pela Gestora, pela Consultora Especializada, pelo Custodiante ou partes a eles relacionados;
(ii) limitação dos ativos de emissão ou coobrigação do Administrador e partes a ela relacionadas a 20% do patrimônio líquido do Fundo; e
(iii) inclusão do agente de cobrança de créditos inadimplidos dentre os prestadores passíveis de contratação pelo Fundo e a inclusão das despesas relacionadas à sua contratação dentre os encargos permitidos do Fundo.
Autores:
Daniel L. Monteiro
Bianca Benedetti Galvão de Araújo
Boletim | Ano 4 | Nº10