Com o advento da Lei n. 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”), foram inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) os institutos do Termo de Quitação Anual (art. 507-B [1] ), através do qual empregados e empregadores podem, anualmente, formalizar o termo de quitação das obrigações de dar e de fazer inerentes ao contrato de trabalho, com ciência e participação do sindicato profissional e a Homologação de Acordo Extrajudicial (alínea “f”, do inciso V, do art. 652 [2]), que permite que empregado e empregador firmem acordo sobre verbas inerentes ao contrato de trabalho, perante o Núcleo de Conciliação da Justiça do Trabalho.
Ambos os institutos foram introduzidos com o escopo de valorizar o princípio da autonomia e fazer prevalecer o negociado sobre o legislado.
Nesse sentido, também foi introduzido, juntamente com a Reforma Trabalhista, o art. 507-A [3], que autoriza a pactuação de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos de trabalho (i) cuja remuneração seja superior a duas vezes o máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social* e (ii) desde que a iniciativa de submeter-se à arbitragem seja feita pelo próprio empregado ou mediante sua concordância expressa.
A arbitragem é uma forma de solução de conflitos mais incisiva, em que a situação é definida por um árbitro [4] isento, especialista na matéria discutida, que decide a controvérsia, sem interferência das partes. Sua decisão tem a força de uma sentença judicial e não admite recurso.
Atualmente, poderão recorrer à arbitragem os empregados que percebem remuneração superior a R$ 11.291,60*.
Ocorre que ainda pairam dúvidas acerca da utilização da Câmara Arbitral para solucionar conflitos envolvendo os direitos individuais trabalhistas.
Isso porque, o art. 1º, da Lei n. 9.307/1996, dispõe que poderão ser submetidos à arbitragem, apenas os direitos patrimoniais disponíveis .
Nesse sentido, vale ressaltar que os direitos individuais trabalhistas previstos em lei, são, em sua essência, indisponíveis e irrenunciáveis, não podendo, em tese, ser negociados fora do âmbito processual.
No entanto, com a vigência da Reforma Trabalhista, passa-se a questionar se o direito individual do trabalho poderá ser objeto de livre negociação, uma vez que o próprio legislador, quando alterou a redação da CLT, promulgada em 1943, trouxe, como mote, enaltecer os princípios da autonomia e prevalência do negociado sobre o legislado, tratando de forma diferenciada os empregados que recebem remuneração elevada.
Pelo que se pode observar, aos poucos, a arbitragem vem sendo introduzida no âmbito trabalhista, como forma alternativa para alcançar a tutela pretendida, sem acionar o Poder Judiciário.
Ocorre que, afora a questão legal, a maior dificuldade que se impõe, atualmente, é a relutância da sociedade e do próprio Poder Judiciário quanto à submissão à arbitragem, como forma de resolução de conflito.
Foi culturalmente instituída a dependência do Estado para solução de conflitos , especialmente os conflitos trabalhistas, uma vez que o entendimento consolidado dos Tribunais, antes da recente alteração da CLT, trazida pela Lei n. 13.467/2018, era pela anulação da sentença arbitral ou anulação de qualquer acordo firmado de forma extrajudicial, que envolvesse direitos individuais do trabalho, como salvaguarda à hipossuficiência econômica, inerente à condição de empregado e que poderia interferir no livre arbítrio individual.
Sendo assim, justificava-se a necessidade de intervenção estatal ou, por expressa autorização constitucional, pelo menos, da entidade de classe representativa da categoria profissional, como meio de evitar o desvirtuamento dos preceitos legais e constitucionais.
Todavia, o objetivo do legislador, ao introduzir a lei em comento, foi o de aumentar a autonomia das partes, empregador e empregado, bem como suavizar a concepção do consciente coletivo, de que o empregado é hipossuficiente e não pode negociar seus direitos como bem lhe convier, diretamente com seu empregador.
A questão acima é bem espelhada pelo Judiciário. De acordo com estatística realizada pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, só no ano de 2017, foram ajuizados 2.648.463 (dois milhões, seiscentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e três) processos, sendo que o percentual de conciliações, para o mesmo ano de 2017, foi de 37,7%. [5]
Veja-se, ainda, que, no passado, tentou-se estabelecer uma forma de firmar acordos extrajudiciais em matéria trabalhista, através das Comissões de Conciliação Prévia, instituídas pelo artigo 625-A, da CLT [6].
Referidas Comissões eram instituídas entre empresas e Sindicatos, através da nomeação de membros de forma paritária, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho.
No entanto, em decorrência de diversas fraudes identificadas na composição das Comissões, o Poder Judiciário passou a anular os acordos firmados dessa forma, voltando-se à estaca zero com relação à possibilidade de firmar acordos extrajudiciais para dirimir os conflitos.
“Acordo extrajudicial firmado perante Comissão de Conciliação Prévia, com a finalidade de substituir a satisfação das verbas pertinentes ao final da relação de emprego por valores significativamente inferiores aos devidos nos termos da lei, afronta direitos e princípios norteadores das relações de emprego. Impossibilidade de validação, sob pena dessa MM. Justiça Especializada ensinar e incentivar maus empregadores a interpretar de forma irregular a intenção do legislador quando da criação das CCPs, acarretando manifesto prejuízo ao empregado, hipossuficiente na relação de emprego.” [7]
Do ponto de vista estritamente legal, desde que preenchidos os requisitos antes elencados, que decorrem da redação leitura literal do art. 507-A, da CLT, poderão ser objeto de resolução, por meio de arbitragem, todas as controvérsias inerentes ao contrato de trabalho.
E são muitas as vantagens que resultam às partes que se submetem à arbitragem, dentre elas:
1. Flexibilidade de escolha quanto à forma e ao tipo de arbitragem. Nesse sentido, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública, com base no princípio da autonomia da vontade, as partes envolvidas poderão pactuar as regras da arbitragem;
2. Escolha do árbitro. A escolha do árbitro será realizada pelas partes, podendo, inclusive, nomearem mais de um árbitro;
3. Os árbitros poderão ser experts no assunto;
4. Celeridade. Após a prolação da sentença arbitral, não caberá uma segunda análise de mérito, reduzindo o tempo razoável de duração da contenda;
5. Sigilo. Diferentemente do processo judicial, as partes poderão solicitar sigilo durante o trâmite do processo arbitral, que será decretado de pronto, sem passar por um juízo de valor;
6. Princípios do contraditório e da ampla defesa. A arbitragem não impede a participação das partes, garantindo o contraditório e a defesa;
7. Economia. Um processo arbitral poderá ser economicamente mais vantajoso para as partes.
Nesse sentido, a escolha pela arbitragem demonstra que as partes elegeram esse meio alternativo de resolução de conflitos, visando à manutenção de um relacionamento entre elas.
Entretanto, em que pesem as vantagens acima, há aspectos que podem reduzir a eficiência e a eficácia do procedimento arbitral:
1. Falta de poder de coação. Em caso de descumprimento da sentença arbitral, as partes deverão se submeter ao Judiciário para efetivar referida decisão;
2. Risco de anulação. A arbitragem poderá ser anulada no âmbito processual, quando irregular;
3. Parcialidade do árbitro. Uma vez que o árbitro é escolhido pelas partes, há o risco da escolha de árbitro parcial;
4. Economia. A depender do caso, o processo arbitral poderá ser mais caro que um processo judicial.
Vale mencionar que, com o objetivo de diminuir o tempo de tramitação do processo judiciário, foi inserida uma meta na Justiça do Trabalho como um todo, para que o tempo de tramitação dos processos fosse reduzido. [8]
Isso porque, o tempo médio de duração dos processos trabalhistas é de 5 anos, enquanto que, na arbitragem, a solução dos conflitos leva de 8 a 18 meses.
No entanto, em razão da trajetória cultural antes referida e do tema ser muito recente na esfera trabalhista, há muita instabilidade e insegurança jurídica para submeter-se com confiança os contratos de trabalho às câmaras arbitrais.
Por fim, existe a figura da mediação, que visa, através de um mediador [9], “recuperar” o diálogo entre as partes, fomentando tratativas até que, espontaneamente, cheguem a um acordo de forma amigável.
Acontece que a mediação (Lei n. 13.140/2015) não é aplicada ao processo do trabalho, pois se trata de um mecanismo que se assemelha à conciliação da forma como já é utilizada pela Justiça do Trabalho, sendo facultada às partes em qualquer momento ao longo do processo, conforme preceitua o art. 764, da CLT: “Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”.
Ato contínuo, o parágrafo único, do art. 42, da lei citada acima, dispõe que, no âmbito trabalhista, a mediação nas relações de trabalho deverá ser regulamentada por lei própria, o que, até o momento, não ocorreu.
____
[1] Art. 507-B. É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria.
[2] Art. 652. Compete às Varas do Trabalho:
V – as ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO decorrentes da relação de trabalho;
[3] Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.
[4] A lei não exige qualquer formação especial, nem mesmo jurídica, para ser árbitro. Poderão ser árbitros(as) quaisquer pessoas capazes e que tenham a confiança das partes.
[5] Fonte: http://www.tsestatistica
[6] Art. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representante dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho.
[7] PROCESSO TRT/SP N.º 01657.2006.024.02.00-7, 6ª Turma, Data de Publicação: 26/09/2008
[8] Para o ano de 2017, a meta era que a duração fosse de 200 dias para as Varas do Trabalho, 200 a 300 dias para os Tribunais Regionais e 410 dias para o Tribunal Superior do Trabalho.
[9] O Mediador é terceiro imparcial que atua para facilitar a comunicação entre as partes. Poderá atuar como mediador qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes, de acordo com as leis aplicáveis.