No direito das sucessões, a palavra suceder possui o sentido de transferência do patrimônio de alguém que morreu para seus herdeiros. Tratando de transferência de bens em decorrência da lei, a herança será distribuída aos herdeiros de acordo com as regras próprias do que se chama sucessão legítima ao passo que, se a transferência dos bens se der por ato de disposição de última vontade do falecido, as regras a serem observadas serão as da chamada sucessão testamentária.
A morte é o momento que fixa a abertura da sucessão e da transmissão da herança aos herdeiros, legítimos e testamentários. No processo de inventário é onde serão apurados os bens que constituem o patrimônio deixado a ser dividido entre os herdeiros. Trata-se de procedimento especial de jurisdição voluntária que deve ser iniciado nos trinta dias subsequentes ao óbito, no foro do último domicílio da pessoa morta.
No campo do direito sucessório, uma das maiores modificações ocorridas no Novo Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003 (Lei 10.406, de 10.01.2002), foi incluir o cônjuge do falecido entre os herdeiros necessários, modificando a ordem do antigo código que o incluía em terceiro lugar como herdeiro facultativo, caso não existissem descendentes e ascendentes.
Os herdeiros são chamados à receber a herança (vocação hereditária), na seguinte ordem: (i) aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (ii) aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; (iii) ao cônjuge sobrevivente, e (iv) aos colaterais. Essa ordem não se aplica às sucessões abertas antes da vigência do novo código. Para elas permanecem as mesmas disposições do código antigo.
O cônjuge sobrevivente somente poderá participar da herança se não estava separado judicialmente do falecido, nem separado de fato há mais de dois anos salvo, neste último caso, se provar que o rompimento da convivência com o que morreu tornara-se impossível sem culpa sua.
Daí se conclui que terminada a sociedade conjugal pela separação judicial ou pelo divórcio, o cônjuge deixa de ser herdeiro. Evidente, entretanto, que somente perderá essa qualidade quando a sentença da separação ou do divórcio transitar em julgado. Por outro lado, se não puder provar que não foi dele a culpa pela separação de fato, seu direito de participar na sucessão não será reconhecido.
A introdução do cônjuge como herdeiro necessário com as ressalvas existentes na lei em relação ao regime de casamento — salvo se casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não tiver deixado bens particulares –, permite algumas considerações.
O direito de participar na herança, não se confunde com regime de bens, instituto este pertencente ao direito de família. De fato, no direito das sucessões a participação do cônjuge na herança como herdeiro, nasce da qualidade de consorte enquanto que as ressalvas feitas na lei, decorrem do regime de bens adotado pelos cônjuges.
Para melhor entendimento do que vem a seguir, cabe aqui um esclarecimento a respeito do que são bens particulares, bens comuns e meação dos cônjuges, no âmbito do direito de família e das sucessões. Bens particulares são aqueles que as pessoas possuem antes de casar e que constituem o patrimônio pessoal. Bens comuns são os que passam a pertencer a ambos os cônjuges em razão do regime de casamento, integrando um único todo, ainda que adquiridos por ou em nome de apenas um deles. No regime de comunhão universal tanto os bens particulares como os adquiridos na constância do casamento passam a pertencer a ambos os cônjuges. No regime de comunhão parcial, com exceção dos recebidos por doação ou sucessão, apenas os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges na constância do casamento, passam a pertencer a ambos. Esses bens comuns, são chamados também, de bens aquestos. Meação significa metade ideal dos bens comuns.
Vigendo, portanto, ao tempo da morte de um cônjuge o regime da comunhão universal ou da comunhão parcial, o outro terá direito à parte ideal sobre os bens comuns. É que, na meação, a metade ideal dos bens comuns já pertence àquele que sobreviver , ainda que esteja em nome do falecido. Na sucessão, a posição do cônjuge é outra: o sobrevivente participa da herança na qualidade de herdeiro.
Feitos os esclarecimentos acima fica mais fácil compreender as ressalvas existentes no código: (i) se os cônjuges eram casados no regime de comunhão universal, o cônjuge sobrevivente não participa como herdeiro necessário do falecido porque estará patrimonialmente garantido em razão da meação decorrente do próprio regime da comunhão; (ii) se o regime era de separação obrigatória de bens, o cônjuge sobrevivente somente será considerado herdeiro do falecido se este não tiver deixado descendentes e ascendentes; (iii) se os cônjuges eram casados no regime de comunhão parcial e o cônjuge falecido não tiver deixado bens particulares, o cônjuge sobrevivente não será herdeiro, mas terá garantida a sua meação, uma vez que meação, como esclarecido, não é herança mas participação nos bens comuns em razão do regime de casamento; (iv) se os cônjuges eram casados no regime de comunhão parcial e o cônjuge falecido tiver deixado bens particulares e filhos, o cônjuge sobrevivente terá a sua meação sobre o patrimônio formado durante o casamento e participará como herdeiro nos bens particulares juntamente com os outros herdeiros necessários, mas não participará da meação do falecido, a qual será partilhada, apenas, entre os outros herdeiros necessários.
Embora haja consenso a respeito da participação do cônjuge como herdeiro dos bens particulares, a doutrina ainda não está unânime no que diz respeito à participação do sobrevivente nos bens aquestos do falecido. A maioria interpreta como está acima, isto é, o cônjuge permanece com a metade dos aquestos que já lhe pertence em razão do regime da comunhão parcial enquanto a outra metade será herdada somente pelos descendentes. Outros entendem que, além do cônjuge herdar com os outros herdeiros necessários parte dos bens particulares e de ficar com a metade dos aquestos que lhe pertence, também herda, com os descendentes, a outra metade dos aquestos deixados pelo falecido.
Como o Novo Código Civil passou a considerar o cônjuge herdeiro necessário, o legislador entendeu dispensável, e extinguiu, o direito ao usufruto sobre os bens do falecido que o código anterior assegurava ao cônjuge sobrevivente. Contudo, permanece assegurado ao sobrevivente o direito de continuar habitando o imóvel destinado à residência da família.
O cônjuge herdará sem nenhuma restrição, quando concorrer na herança apenas com ascendente do falecido, situação em que não importa o regime de bens do casamento.
Descendentes do falecido e cônjuge sobrevivente têm participação igual na herança. Porém, se o cônjuge sobrevivente for o próprio ascendente dos herdeiros, a sua participação não poderá ser inferior à quarta parte da herança. Em outras palavras: se o falecido deixou vários descendentes para concorrer com o cônjuge na herança, este receberá uma parte maior, isto é, herdará uma quarta parte da herança. As outras serão divididas entre cada um dos descendentes.
Concorrendo na herança com ascendente em primeiro grau do falecido, o cônjuge herda um terço da herança; se concorrer com um só ascendente ou se o grau de parentesco for além do primeiro grau, receberá metade da herança. Não existindo descendentes nem ascendentes, a herança ficará, por inteiro, com o cônjuge sobrevivente. Na falta de descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente, herdam os colaterais, assim entendidos os parentes até o quarto grau. Não sobrevivendo cônjuge ou companheiro, nem parente algum para suceder, a herança passa para o Município ou para a União.
Também podem ser herdeiros, legítimos ou testamentários, os nascidos e ou concebidos à época da abertura da sucessão.
Vale mencionar que ,enquanto a partilha não for feita, o direito dos herdeiros é considerado indivisível e rege-se pelas normas do condomínio. Assim, um herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária à pessoa estranha à sucessão, se outro herdeiro quiser adquiri-la nas mesmas condições.
Reafirmando como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, o Novo Código Civil, além de permitir aos companheiros regularem suas relações patrimoniais por escrito, faz possível à companheira ou companheiro participar, sob certas condições, da sucessão daquele que vier a falecer. De fato, diz a lei que, na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens. Diz, também, que a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos, onerosamente, na vigência da união estável, nas condições seguintes: (i) se concorrer com filhos comuns, receberá uma cota equivalente a de cada filho; (ii) se concorrer com descendentes só do autor da herança, receberá metade do que couber à cada um; (iii) se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança e (iv) se não houver parentes sucessíveis, receberá a totalidade da herança.
Em princípio, o companheiro sobrevivo não participa do patrimônio que o cônjuge falecido tiver adquirido antes da união. Entretanto, como se vê na última hipótese, ele apenas participará, recebendo a totalidade da herança, se o que morrer não deixar nenhum parente para suceder.
É preciso que os companheiros tenham permanecido em união estável até o momento da morte, para que o sobrevivente possa participar da sua sucessão. Se o rompimento da união for antes do óbito, o companheiro que sobreviver terá direito à meação, apenas, sobre os bens adquiridos onerosamente durante o tempo que a união estável durou.
Ainda permanecem em debate a questão da revogação pelo novo código da Lei 8.971 de 29.12. 1994 (Regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão) na parte que confere ao companheiro sobrevivente o direito ao usufruto sobre os bens do falecido (incisos I e II), e a questão da aplicação analógica ao companheiro sobrevivente, do direito de habitação, mantido pelo novo código ao cônjuge viúvo.
Além da sucessão legítima, há a sucessão testamentária. Em princípio, toda pessoa pode dispor por testamento da totalidade ou da parte dos seus bens, para depois da morte. Entretanto, quando o testador tiver herdeiros necessários — descendentes, ascendentes e cônjuge — precisará deixar reservada parte correspondente a metade da herança para aqueles herdeiros. Essa parte é chamada legítima. A outra metade, chamada disponível, o testador poderá dispor livremente em favor de quem ele quiser, herdeiro ou não herdeiro. Podem ser beneficiados por testamento, inclusive: (i) os filhos, ainda não concebidos de pessoas indicadas no testamento, desde que estejam vivas quando for aberta a sucessão do testador; (ii) as pessoas jurídicas e (iii) as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.
O testador não pode estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima. Se existir justa causa para a imposição daquelas cláusulas, a justa cláusula precisará estar declarada no testamento. Ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do código anterior, essa proibição alcança a sucessão aberta no prazo de um ano após a entrada em vigor do novo código, portanto, até 11 de janeiro de 2004. Na hipótese do testador não aditar o testamento para declarar a justa causa, a restrição não subsistirá.
É importante ressaltar que as disposições do novo código refletem seus efeitos, até mesmo, nos testamentos feitos antes da sua vigência, tendo em vista que a lei que regula a sucessão e a legitimação para suceder é a lei vigente ao tempo em que ocorrer o óbito, consequentemente ao da abertura da sucessão.